Marcelo Mendes*
Com os muitos anos de vivência no setor eletroeletrônico temos constatado a carência de mão de obra capacitada nos processos de seleção e contratação. Em nossos contatos e entrevistas para oportunidades profissionais, não reconhecemos perfis que se alinham a nossa demanda. Portanto, fica claro que há uma lacuna principalmente na formação técnica ou profissionalizante para o segmento eletroeletrônico.
Diante de milhares de lamentos e reclamações diárias na internet de um grupo específico, juvenil ou denominado como da ‘Geração Z’ em relação à falta de empregos, chega-se a estranhar este lamento, de “falta de oportunidades’. A realidade é que não se encontram com facilidade profissionais com o mínimo de base necessária. O problema central dos trabalhadores que estão iniciando no mercado de trabalho verdadeiramente é em maior medida o descomprometimento com dia a dia da operação de uma indústria, lidar com a hierarquia, procedimentos e ter a humildade para querer aprender parecem requisitos básicos de quem está iniciando um processo de aprendizagem, entretanto, há uma ausência desta consciência com posturas completamente inadequadas.
Atualmente, nossa empresa tem realizado um esforço enorme para encaminhar recém contratados e jovens para cursos técnicos, literalmente complementando sua formação acadêmica e não só com treinamentos específicos, mas investindo em cursos de profissionalização na operação de máquinas e equipamentos, e por vezes em legislação e normas de segurança do trabalho. Há sempre questionamentos e dúvidas se estão efetivamente preparados para as necessidades reais do empregador do setor elétrico.
O que é notório é que se as empresas não fizerem investimentos regulares nos contratados, na capacitação deles para desempenhar suas funções de forma satisfatória, quase sempre os resultados para os contratantes não serão positivos. Além disso, diversos funcionários mesmo em início de carreira já chegam com vícios graves em sua formação, muitas vezes com visões distorcidas a partir de culturas organizacionais bem diferentes daquelas de outras empresas do mercado que são a maioria.
Uma dificuldade comum é o tempo gasto para agregar valor no trabalho, tanto para o jovem quanto para empresa. Muitas vezes precisamos contratar o profissional inacabado, e fica evidente a grande carência de conhecimentos e capacidade, e a também a presença de deficiências entre esses novos profissionais.
Nas diversas categorias ocupacionais o perfil do chamado operário de ‘chão de fábrica’ onde o problema é mais frequente. O entrave da educação básica aqui também é notório. Há pessoas que nunca tiveram um plano de saúde, nem sabem como são seus respectivos benefícios e as normas contratuais e neste perfil de trabalhador durante o processo seletivo, por absurdo que pareça, descobrimos que estamos concorrendo com benefícios.
Por outro lado, dentro da fábrica eles não entendem como um protetor auricular é importante para sua audição e saúde geral. Não compreendem que a falta do equipamento pode prejudicá-lo ao longo da sua vida, além de contrariar a legislação da segurança do trabalho. Há alguns que não conseguem enxergar a importância do uso de uma bota de proteção contra acidentes.
Vários deles não entendem que o uniforme tem que estar em dia e que ele reflete na sua aparência e marca pessoal. Portanto, muitos não percebem os conceitos essenciais para sua formação como ser humano, que abarcam sua instrução, organização, dress code, ou seja, a vestimenta do dia a dia, além de outros aspectos cotidianos.
Por essa razão, quase sempre nossa empresa precisa ajudar a formar a pessoa para depois formar o profissional. O que presenciamos no cotidiano é um esforço muito grande para treinar além do escopo profissional, ou seja, na prática edificar um cidadão mais completo.
Lamentavelmente, cursos técnicos, profissionalizantes, de aperfeiçoamento ou de capacitação, além da própria formação dentro de casa, têm gerado um grupo de cidadãos muito limitados. Isso em geral nem é culpa da própria pessoa, mas na verdade do nosso conjunto de alternativas para formação e qualificação. Há vários indivíduos que não possuem a consciência da importância dele e do que ele faz.
Precisamos, portanto, pensar melhor sobre a necessidade da educação básica para a indústria e na formação do indivíduo e do profissional.
Outro ponto, é a necessidade de refletir também como fazer com responsabilidade, por exemplo, a transformação de um trabalhador rural para torná-lo um eletricista de rede de distribuição. É altamente arriscado treinar um eletricista em apenas três meses para trabalhar numa rede elétrica. Isso tem de ser muito bem analisado. Vivenciamos recentemente inúmeros problemas elétricos, qualquer chuva, intensa ou não tem causado transtornos e prejuízos significativos. São os produtos que são ruins? Não, são mal instalados, porque a qualidade da mão de obra é insuficiente e os produtos não são corretamente aplicados.
Um outro aspecto é que, em empresas com perfis de pequeno e médio porte, é preciso também que o colaborador seja um generalista na função e muitos jovens têm dificuldades em exercer o trabalho com esse posicionamento. Também porque não estão habituados a usar tudo aquilo que, teoricamente, aprenderam. A questão é que boa parte dos jovens profissionais iniciantes entende que tem de ser sempre específicos e por essa razão este trabalhador iniciante apresenta muitas dificuldades em exercer tarefas mais diversificadas. O fato é que profissional que se destaca é aquele que consegue agregar várias habilidades.
Uma contradição é que a educação profissional focada na indústria tem se destacado em todo o mundo, principalmente com o avanço tecnológico acelerado e a demanda crescente por competências específicas no mercado de trabalho. Como consequência, é preciso pensar na formação, treinamento e educação como um todo.
Segundo a Unesco, aproximadamente 10% dos estudantes do ensino secundário no mundo estão matriculados em cursos técnicos e profissionais. Em países como Alemanha, esse número é muito mais alto, chegando a 50%, refletindo a forte parceria entre instituições educacionais e indústrias.
Até o ano que vem, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), prevê que, o Brasil vai precisar de aproximadamente 9,6 milhões de profissionais com capacitação específica em áreas tecnológicas e de engenharia. No entanto, apenas cerca de 8% dos estudantes do ensino médio estão matriculados em cursos técnicos e profissionalizantes, ou seja, muito abaixo de países desenvolvidos.
O Sistema S (Senai, Senac, entre outros) tem papel fundamental na oferta de cursos técnicos, profissionalizantes ou de capacitação para preparar mão-de-obra para setores específicos do comércio, indústria e serviços, mas ele não alcança a educação dentro de casa, também chamada de educação parental (parenting). É ela que trata da criação dos filhos, com todas as práticas, cuidados e orientações que os pais e mães deveriam fornecer para o desenvolvimento e bem-estar de suas crianças.
Talvez seja preciso que os sistemas de apoio profissional (sistema S), as empresas ou ONGs educativas reflitam com mais atenção nesse ‘público anterior’ que está dentro de casa, recorrendo a educadores especializados em ‘andragogia’, que é a metodologia de educação para adultos, e é desenvolvida a partir do compartilhamento de experiências entre aluno e professor.
Este deveria ser a discussão séria a ser tratada na esfera que engloba todos os atores que tratam da educação básica e do trabalhador e não uma discussão que já se inicia com uma mentira que que é a dita “jornada 6×1” afinal 44 horas semanais, são 5 dias e meio de trabalho por um e meio de descanso.
* Marcelo Mendes é gerente geral da KRJ Conexões ( https://krj.com.br/ ). É economista e executivo de marketing e vendas do setor eletroeletrônico há mais de 15 anos, com atuação inclusive em vários mercados internacionais.