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    Brasil leiloa blocos de petróleo na Amazônia sem consulta às comunidades locais e ignora crise climática, denunciam organizações e lideranças  
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    Da Amazônia à conferência do clima de Bonn, sociedade civil, povos indígenas e de comunidades tradicionais protestam contra o mega leilão de petróleo e gás

    Lideranças indígenas protestam em frente ao Campo do Azulão, Silves, Amazônia / c: APIRA

    GLOBAL — Enquanto alega liderança na agenda climática internacional na conferência do clima pré-COP30 em Bonn, na Alemanha, o governo brasileiro, por meio da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), realizou o 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessões nesta terça-feira – um “mega leilão” de petróleo e gás de 172 blocos, incluindo 68 na Amazônia brasileira. O processo ocorreu sem qualquer consulta ou consentimento prévio, livre e informado das comunidades indígenas e tradicionais da região, violando diretamente a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.
    No leilão, dos 47 blocos ofertados na Bacia da Foz do Amazonas, uma das áreas ambientalmente mais sensíveis do planeta, 19 foram concedidos para exploração de petróleo e gás. Foram leiloados 16.312 km² de áreas marinhas na Amazônia, distribuídos em quatro setores. Chevron e CNPC arremataram nove blocos, enquanto ExxonMobil e Petrobras ficaram com dez blocos, aprofundando a ofensiva das petroleiras sobre o bioma amazônico.
    Esses blocos foram arrematados sem a realização de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS). Embora não seja condicionante, a ausência da avaliação foi apontada inúmeras vezes pelo IBAMA e o Ministério do Meio Ambiente como fator dificultador do licenciamento na região. O mapeamento detalhado de uma AAAS facilitaria tanto o trabalho do órgão ambiental como o do planejamento energético, já que apontaria áreas onde a atividade petrolífera deve ser evitada devido à sensibilidade ambiental.

     

    O leilão também descumpriu as recomendações do Ministério Público Federal (MPF), que há poucos dias entrou com uma liminar para suspender a oferta dos blocos, apontando graves falhas no processo, como ausência de estudos prévios adequados, consulta e risco de danos socioambientais irreversíveis. Além de desrespeitar os direitos dos povos e especialistas e ir na contramão do acordo global para transição dos combustíveis fósseis, o governo ignora os alertas da comunidade científica mundial, que é clara: não há espaço para novos projetos de combustíveis fósseis se quisermos evitar o colapso climático.

     

    A decisão compromete a credibilidade do governo brasileiro, que nas arenas internacionais defende compromissos climáticos, mas segue expandindo a fronteira fóssil internamente, inclusive na Amazônia, região que abrigará a conferência climática mais importante do mundo este ano, a COP30. Povos originários, comunidades tradicionais e organizações da sociedade civil defendem que a transição energética justa deve priorizar áreas altamente biodiversas e sensíveis, como a Amazônia, e ser construída com um plano claro, que não dependa da expansão de petróleo e gás nem do financiamento de combustíveis fósseis.
    Representantes da sociedade civil e lideranças ofereceram os seguintes comentários:

     

    Cacique Jonas Mura, Silves, Amazonas:

    “Se o grande criador deixou esse óleo com o gás nas profundezas, distante do nosso alcance, é porque não é coisa boa, é coisa que só traz destruição, poluição, pobreza, ganância, doenças e discórdias. Trazer essa massa podre e poluente das profundezas é trazer tudo que é ruim para os nossos territórios. Amazônia livre de petróleo e gás!”
    Gisela Hurtado, coordenadora de campanha pela Amazônia na Stand.earth:

    “Neste momento em que o mundo se reúne em Bonn para avançar soluções climáticas e se prepara para a primeira COP na Amazônia, o governo brasileiro está leiloando a Amazônia para a indústria de combustíveis fósseis. Esse “Leilão da Morte” ameaça não apenas os territórios indígenas, mas o próprio sistema climático global. Ele desafia os princípios do Acordo de Paris e a ambição da COP30. Estamos aqui para dizer: não há justiça climática sem direitos indígenas, não há transição justa sem manter os combustíveis fósseis no solo e não há futuro sustentável se a Amazônia se tornar uma zona de sacrifício. O mundo deve exigir coerência — as palavras na COP devem corresponder às ações em casa.”

     

    Ilan Zugman, diretor para a América Latina e o Caribe na 350.org:

    “O tempo dirá se o Brasil terá coragem política para alinhar discurso e prática e deixar um legado verdadeiro de liderança climática – Este leilão, no ano em que o Brasil sedia a COP30, marca um momento crítico em que o governo escancara as portas para a indústria fóssil em um dos biomas mais sensíveis do planeta. São 19 blocos sem consulta prévia às comunidades indígenas e tradicionais, violando direitos constitucionais e internacionais. Essa decisão contradiz as promessas de proteção ambiental feitas por um governo eleito com essa bandeira, e fragiliza a credibilidade do país no cenário global. Em vez de liderar uma transição energética justa, baseada no imenso potencial renovável do Brasil, o governo aposta num modelo fóssil ultrapassado que compromete o futuro, bloqueia o desenvolvimento sustentável e repete erros do passado.”
    Carolina Marçal, coordenadora de projetos do Instituto ClimaInfo:
    “Ao mesmo tempo em que cobra ação efetiva dos países ricos na transição energética, o Brasil deu hoje um péssimo sinal para quem se preocupa com a vida e o futuro nesse planeta. Ao leiloar 19 blocos na Foz do Amazonas, uma área ambientalmente sensível e crítica para o clima global, o país joga mais lenha na fogueira da crise climática. Não será com palavras bonitas e acordos vazios que iremos salvar o mundo do cataclisma de eventos extremos cada vez mais intensos. O Brasil tem tudo para liderar a transição justa e o petróleo certamente não faz parte do futuro em um mundo em chamas.”
    Mauricio Guetta, Diretor de Direito e Políticas Públicas da Avaaz:

    “Com o mundo próximo de atingir 1.5 graus Celsius de aquecimento, a decisão de leiloar dezenas de blocos de petróleo em áreas essenciais para o equilíbrio ecológico e climático mundial coloca o Brasil na contramão dos esforços globais contra a emergência climática, minando sua liderança na COP 30. Os danos ao clima, à biodiversidade e aos povos indígenas e comunidades tradicionais serão irreversíveis.”

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