Em um cenário de juros elevados e inadimplência em patamar histórico, oferecer crédito acessível parece, à primeira vista, uma missão impossível. Com a Selic mantida em 15% ao ano e mais de 77 milhões de brasileiros negativados, segundo a Serasa Experian, o ambiente financeiro impõe obstáculos reais para empresas que buscam conceder empréstimos a taxas viáveis. Ainda assim, uma nova aliada tem alterado as regras do jogo: a inteligência artificial.
O uso de IA no setor financeiro já não é promessa, mas prática consolidada. Plataformas que utilizam algoritmos para análise de crédito relatam quedas de até 15% na inadimplência, segundo levantamento da Monetizely. Isso se deve à capacidade desses sistemas de processar milhares de dados em segundos, cruzando informações tradicionais com variáveis alternativas, como comportamento de pagamento digital, dados bancários em tempo real e hábitos de consumo. Assim, a IA amplia a visão sobre o tomador de crédito e permite decisões menos baseadas em estigmas e mais calcadas em probabilidade.
Essa mudança tem impacto direto na precificação. Quando o custo da inadimplência cai, a taxa repassada ao cliente também pode ser ajustada. “Quando a IA reduz o tempo e o custo de análise de crédito, é possível repassar parte dessa economia para o cliente. Em vez de taxas estratosféricas justificadas apenas pelo risco percebido, há espaço para condições melhores — algo fundamental em ambientes de Selic alta”, diz Thiago Pinotti Duarte, Chief Revenue Officer (CRO) da Base39.
O tempo é outro fator crítico. Em bancos tradicionais, o ciclo de concessão de crédito pode levar dias ou até semanas. Com sistemas de IA e machine learning, essa jornada pode ser reduzida a minutos. Um estudo da consultoria Selby Jennings aponta que automações inteligentes já cortam em até 60% o tempo médio de análise de risco, permitindo decisões mais rápidas sem comprometer a segurança da operação. Em contextos de competição acirrada — como fintechs e plataformas peer-to-peer —, essa agilidade se torna uma vantagem estratégica.
No entanto, a adoção da IA exige maturidade. Dados enviesados ou mal interpretados podem perpetuar desigualdades históricas e gerar decisões injustas. Por isso, transparência algorítmica, auditoria contínua e proteção rigorosa dos dados pessoais são componentes indispensáveis. Empresas que usam inteligência artificial para crédito precisam garantir que suas decisões possam ser explicadas e contestadas. Afinal, o acesso ao crédito é também uma questão de justiça social.
Enquanto a inadimplência segue pressionando os indicadores macroeconômicos — tanto no consumo quanto nas micro e pequenas empresas —, cresce a urgência de repensar o modelo de crédito no Brasil. “Com a tecnologia como aliada, é possível buscar uma equação mais equilibrada: que leve em conta o risco, sim, mas também a inovação como mecanismo de inclusão e eficiência”, destaca Pinotti.


