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    “Eu criei esse personagem para me defender”, diz Carlinhos Beauty

    O peso das memórias ocupa os 10 cômodos do apartamento na Asa Sul, que mais parece um palacete. Há um Di Cavalcanti na parede e poltronas folheadas a ouro. No som, a canção faz papel de máquina do tempo. “Quando você se separou de mim quase que a minha vida teve um fim…”, canta Roberto Carlos.

    Automaticamente, o dono da casa, Carlos Alberto Araújo, se transporta para o sertão da Paraíba, onde ainda era menino e as palavras entoadas pelo rei saíam de um radinho velho. Essa era a única diversão depois de catar algodão na roça. Ao ouvir a música, ele tem como companhia o mundo que inventou. É lá que vive Carlinhos Beauty, o personagem nascido para mudar a vida de Carlos Alberto.

    Carlos Alberto Araújo, 52 anos, nasceu em Cabrobó, no sertão do São Francisco, em Pernambuco. É católico, reza o Pai Nosso e toma banho de água benta quando acorda. Considera-se tímido, reservado e tem paladar simples. Gosta de feijoada e de dobradinha. É um homem desmontado, segundo ele mesmo define. Tem medo de deixar que as pessoas entrem em sua vida e raramente recebe amigos em casa.

    Carlinhos Beauty nasceu há 21 anos, quando o salão de beleza que leva seu nome foi inaugurado. Acha bacalhau “muito chique”, ama champanhe, diamante e ouro. Toma banho de banheira aromatizada com pétalas de rosa.

    Giovanna Bembom/MetrópolesGIOVANNA BEMBOM/METRÓPOLES

    Cheio de jóias, falante, barulhento, maquiado e de cabelos escovados, loiros e esvoaçantes, atrai olhares por onde passa. Frequentemente é visto na TV, em programas de humor, e em muitas das festas mais badaladas de Brasília, São Paulo e do Rio de Janeiro.

    As duas personalidades convivem no mesmo corpo. “Só tiro a fantasia de Carlinhos Beauty na hora que vou dormir”, diz o cabeleireiro, que ficou famoso por atender celebridades e a alta sociedade brasiliense, desde os anos de 1980. Carlos Alberto fala de Carlinhos na terceira pessoa. “O Carlinhos é um personagem que criei pra me defender. Ele é diferente, se preocupa com a própria imagem 24 horas por dia”, afirma.

    Ele construiu o próprio mundo. É, por definição, um self-made man, um homem que fez a si próprio. Aos 11 anos, deixou Souza, na Paraíba, na companhia de uma vizinha que se mudou para Brasília. Disse à mãe: “Não mande ninguém atrás de mim, que eu vou te dar a vida que a senhora nunca teve”. E partiu.

    Tive uma infância muito pobre, mas cheia de amor, só tenho boas lembranças

    Carlinhos Beauty

    Aos 5 anos, Carlinhos já catava algodão com a mãe. O pai sumiu antes dele nascer. O menino vendia rapadura, pamonha e galinhas nas ruas da cidade. Bom administrador de dinheiro, tornou-se um miniagiota. “Quando fui embora, até o prefeito me devia”, lembra.

    Giovanna Bembom/MetrópolesGIOVANNA BEMBOM/METRÓPOLES

    Na capital federal, lavou chão de bares, foi balconista, serviu café e morou de favor. Com 12 anos, vivia sozinho em um barraco em Taguatinga e dormia no chão. As páginas das revistas que lia para se encantar serviam para preencher os buracos da parede por onde entrava um vento frio. Até que surgiu a oportunidade de trabalhar na limpeza de um salão de beleza.

    “Quis ganhar dinheiro para as pessoas me respeitarem, para me posicionar na sociedade. Já imaginou se eu fosse pobretão dando esse tanto de pinta? Fiquei preocupado. Nasci assim e o mundo é muito preconceituoso”

    Ali, Carlos Alberto aprendeu o ofício de cabeleireiro. Ele começou a atender “as VIPs de Brasília”. Conquistou primeiras-damas, entre elas Maria Thereza Goulart, casada com o ex-presidente da República João Goulart, e famosas como Xuxa e Luiza Brunet.

    Aos 15 anos, mandou trazer a mãe e os irmãos do Nordeste e comprou para eles uma casa no Guará. Beauty chegou a ir ao programa do Jô Soares, onde foi apresentado como “o cabeleireiro mais badalado de Brasília”.

    Onde tivesse uma celebridade de passagem por Brasília, lá estava Carlinhos oferecendo seus serviços. Assim ele conheceu o ídolo Roberto Carlos e Tom Cavalcante, que o convidou para ser comediante na Record, onde Carlinhos faz participações há oito anos. Como ator, já gravou oito longas-metragens e era uma das estrelas favoritas do cineasta Afonso Brazza.

    Há 21 anos, ele mantém um salão de beleza no Fashion Mall, na Asa Sul. O nome Carlinhos Beauty foi escolha de um numerólogo na virada da lua nova. Ele aconselhou Carlos Alberto a dormir ao relento no mato e a inaugurar seu salão ao meio dia em ponto, com um corte de cabelo gratuito, bolo e champanhe, para dar sorte.

    Beauty, apesar da figura esbanjadora e excêntrica que ostenta, tem os pés no chão e construiu um patrimônio sólido. É dono de lojas e de quatro apartamentos na quadra onde mora. Tem imóveis no Rio e em São Paulo também.

    Já vi o mundo, viajei, fui às melhores festas, mas nunca me esqueci da fome. Não existe nada mais triste no mundo do que alguém morrer de fome

    Carlinhos Beauty

    O corte no Carlinhos Beauty custa R$ 155 com o dono e R$ 90 com alguém da equipe. Certo dia, um homem simples que passeava pelo Fashion Mall resolveu entrar e perguntar o preço do serviço. Agradeceu, mas disse que não poderia pagar. Carlinhos ouviu a conversa e foi até a recepção. Ofereceu um corte pelo valor que o cliente poderia pagar.

    Quem conta essa história é Bernadete Alves, amiga há 20 anos. “Quem vê esse Carlinhos que abre qualquer porta e vai entrando pode não perceber o ser humano espetacular que ele é. Ele sempre tratou todos os clientes como celebridades”, relata Bernadete.

    Ela também estava ao lado do amigo em um show do Roberto Carlos, quando as pessoas se aglomeraram para cumprimentar o rei. “O Carlinhos entrou na fila e quando chegou a vez dele o Roberto falou: ‘você não precisava pegar fila!’. Ao que ele respondeu: ‘sou como todo mundo’. São essas coisas que me fazem admirá-lo tanto”, relata a amiga.

    “Eu tenho medo do Carlinhos Beauty”


    Carlinhos é uma figura polêmica. O cabeleireiro acostumou-se a ser alvo de pequenas maldades e piadas. Nos tempos do Orkut, uma comunidade levava o nome: “Eu tenho medo do Carlinhos Beauty” e tinha milhares de adeptos.

    “Ninguém chuta cachorro morto. No dia que não falarem mais de mim, será o momento de eu montar no meu jeguinho e voltar lá pro sertão. As pessoas são o que têm para dar e, às vezes, elas só têm maldade”, afirma.

    Entre as situações mais incômodas, Carlinhos elege uma nota de jornal. Um colunista da cidade afirmou que uma pessoa não havia dado sossego para Luíza Brunet e tinha ficado a noite toda no pé da atriz, em uma festa. A versão de Beauty é diferente. “Ela me pediu que eu fizesse companhia a ela enquanto fumava um cigarro.”

    Quando Carlinhos sofreu um sequestro relâmpago, no Rio de Janeiro, há cerca de 10 anos, ele também não gostou da forma com que o crime foi noticiado. “Diziam que um namorado tinha me roubado, que eu tinha sido espancado. Nada disso era verdade, puro preconceito”, lembra.

    O cabeleireiro se irrita com especulações sobre sua vida amorosa. “Não me acho gay. Artista não tem sexo, tem gosto do dia. Sou um homem mais macho que os outros. Sou capaz de fazer uma mulher feliz e de segurar um homem da mesma maneira. Nasci diferente, não me vejo em rótulo nenhum.”

    Aparentemente, Carlinhos é o amor da própria vida. Ele tem dezenas de retratos de si mesmo espalhados pelo seu palacete particular. Há espelhos por todos os lados e o barulho da TV faz companhia durante os banhos de banheira regados a champanhe.

    “Se eu precisasse, faria tudo de novo, com toda dignidade. No jatinho ou no busão, a vida é boa demais”, reflete.

    Carlinhos é solteiro e não tem filhos. Jamais desejou construir uma nova família e diz não se sentir sozinho. Não tem medo da velhice e diz que seu patrimônio servirá para bancar uma cuidadora e remédios. Evita fazer cirurgias plásticas, por medo de perder a vida. Não quer que em sua lápide esteja escrito: “morreu de vaidade”.

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