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    Justiça reconhece direito de produtor rural a alongar dívida após quebra de safra
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    Processo correu em Goiás

    Em decisão considerada importante para o setor agropecuário, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) manteve a validade de uma sentença que autoriza o alongamento da dívida de um produtor rural de Uruaçu (GO), atingido por quebra de safra e queda no preço da soja. O valor da dívida ultrapassa R$ 1,7 milhão, e havia sido contraído por meio de cédula rural pignoratícia e hipotecária, instrumento comum no financiamento agrícola.

    A sentença de primeira instância havia determinado a suspensão da cobrança imediata do débito, proibido a negativação do nome do produtor e estabelecido um novo cronograma de pagamento, incluindo dois anos de carência e a exclusão de encargos moratórios durante o período. O caso chamou atenção pela clareza com que o desembargador Átila Naves Amaral reconheceu o direito subjetivo à prorrogação da dívida, conforme prevê o Manual de Crédito Rural (MCR) do Banco Central.

    Segundo o advogado Marco Túlio Elias Alves, Doutor em Direito (Ph.D in Legal Management), a decisão reforça a importância da legislação agrícola como mecanismo de proteção em cenários imprevisíveis, como o de perdas causadas por fatores climáticos. “Não se trata de um benefício arbitrário ao produtor, mas de um direito previsto em normas técnicas que regulam o crédito rural. O MCR é claro ao prever que, diante da frustração de safra, o banco não pode simplesmente negar o pedido de prorrogação”, explica.

    No caso julgado, o laudo técnico apontou uma redução de 62% na produtividade da lavoura, atribuída a uma forte estiagem, além da queda no preço da soja de R$ 130 para R$ 110 por saca. Com a receita comprometida, o produtor alegou impossibilidade temporária de cumprir os pagamentos. O banco credor, por sua vez, recorreu alegando falta de perícia judicial e questionando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) à relação contratual.

    O desembargador, no entanto, foi categórico ao afastar os argumentos da instituição financeira. Segundo a decisão, a prova documental apresentada — incluindo o laudo de engenheiro agrônomo e planilhas de receitas — foi suficiente para comprovar a realidade econômica do produtor, tornando desnecessária nova perícia. A corte ainda reconheceu a aplicação do CDC, devido à natureza de adesão do contrato e à vulnerabilidade do produtor frente à instituição bancária.

    Para Marco Túlio, a jurisprudência caminha no sentido de garantir maior segurança jurídica ao setor agrícola, especialmente diante de fatores imprevisíveis, como clima e volatilidade de preços. “É preciso entender que o agronegócio, embora seja uma força econômica, está sujeito a riscos muito específicos. O Judiciário tem mostrado sensibilidade e respeito ao que está previsto no ordenamento jurídico”, avalia o advogado.

    A decisão ainda pode servir de base para centenas de produtores que enfrentam dificuldades semelhantes, especialmente em estados que sofreram com estiagens prolongadas nos últimos ciclos. Segundo especialistas, o reconhecimento do direito ao alongamento contratual pode representar uma sobrevivência financeira para quem depende do crédito rural para manter suas atividades.

    Outro ponto relevante destacado pela corte foi o entendimento já consolidado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio da Súmula 298, segundo a qual o alongamento das dívidas rurais não é favor, mas um direito do produtor, desde que preenchidos os requisitos legais. “Essa diretriz evita interpretações subjetivas e reforça a função social do crédito rural”, conclui o advogado.

    Crédito rural e segurança jurídica: os efeitos da decisão para o agronegócio

    A decisão do TJGO sobre o caso do produtor de Uruaçu (GO) traz reflexões relevantes sobre o funcionamento do sistema de crédito rural brasileiro e os desafios enfrentados por quem produz alimentos em larga escala. Embora o agronegócio represente quase 25% do PIB nacional, muitos de seus atores — especialmente pequenos e médios produtores — operam no limite financeiro, dependendo de boas safras e preços estáveis para honrar compromissos.

    De acordo com o advogado Marco Túlio Elias Alves, decisões como essa do TJGO ajudam a consolidar o entendimento de que o produtor rural precisa de respaldo institucional quando eventos externos, como clima e mercado, tornam o cumprimento de obrigações temporariamente impossível. “O crédito rural é estruturado com base em estimativas de produção e receita. Quando isso não se concretiza por fatores imprevisíveis, a legislação prevê soluções que evitam a ruína do produtor e, por consequência, do sistema produtivo”, afirma.

    Além disso, o caso reacende o debate sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em contratos bancários envolvendo produtores rurais. Tradicionalmente, instituições financeiras resistem à aplicação do CDC nesse tipo de relação, mas o Judiciário tem caminhado no sentido oposto, reconhecendo a hipossuficiência técnica e contratual do produtor frente ao banco.

    Outro ponto relevante é o papel dos laudos técnicos como prova principal em ações dessa natureza. A exigência de uma perícia judicial nem sempre é necessária quando os documentos já apresentados trazem evidências robustas da perda de safra e da inviabilidade econômica momentânea. Isso evita a morosidade processual e garante respostas mais rápidas a situações urgentes.

    Do ponto de vista econômico, a postergação das dívidas, com carência e exclusão de encargos, não significa inadimplência definitiva, mas uma reorganização da capacidade de pagamento do produtor. Segundo Marco Túlio Elias Alves, “alongar a dívida é, muitas vezes, a única alternativa para manter a atividade viva e assegurar o retorno ao mercado de forma saudável”.

    Especialistas também apontam que a decisão pode abrir precedente para que associações de produtores e cooperativas atuem de forma mais coordenada na negociação com bancos, munidas de base legal sólida e respaldadas por laudos e análises financeiras bem estruturadas.

    Em termos práticos, produtores que enfrentam problemas similares devem buscar orientação jurídica especializada e providenciar documentação técnica e contábil que comprove as dificuldades enfrentadas. “O Judiciário tende a acolher os pedidos quando eles vêm instruídos com seriedade e evidências concretas. O que não pode é o produtor deixar de agir por desconhecimento dos seus direitos”, alerta Marco Túlio.

    Com a recorrência de eventos climáticos extremos e a instabilidade no mercado de commodities, o tema tende a se tornar mais frequente nos tribunais nos próximos anos. A decisão do TJGO, portanto, não é uma vitória individual, mas um sinal de que o sistema jurídico está atento às complexidades do setor rural, ainda que de forma pontual e reativa.

    Por fim, o caso evidencia uma lição crucial: o crédito rural não pode ser tratado como um produto bancário comum. Ele está inserido em uma lógica de desenvolvimento econômico e segurança alimentar — e, como tal, merece tratamento jurídico diferenciado quando as adversidades fogem ao controle do produtor.

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