Apesar dos anúncios, Petrobras não tem nenhuma usina renovável em operação
A indústria de combustíveis fósseis está muito longe de sua promessa de “liderar a transição energética”, de acordo com nova pesquisa do Instituto de Ciência e Tecnologia Ambientais da Universidade Autônoma de Barcelona (ICTA-UAB). O estudo mostra que as maiores empresas de petróleo e gás do mundo são responsáveis por apenas 1,42% dos projetos de energia renovável em escala global.
A pesquisa, recém-publicada na revista Nature Sustainability, desafia a narrativa dominante promovida pela indústria fóssil, que se apresenta agora como uma protagonista da luta contra a mudança climática por meio de projetos “verdes”.
Com base em dados do Global Energy Monitor, o estudo analisa as 250 maiores produtoras de petróleo e gás do mundo — responsáveis por 88% da produção global de hidrocarbonetos — e identifica 3.166 projetos únicos de energia eólica, solar, hídrica e geotérmica nos quais essas empresas possuem participação, seja direta, por meio de subsidiárias, ou via aquisições.
Os resultados mostram que apenas 20% dessas empresas possuem algum projeto de energia renovável em operação, e que as renováveis representam apenas 0,1% de sua produção primária de energia.
“As empresas de petróleo e gás simplesmente não estão investindo em renováveis como prometeram. Afirmar o contrário é puro greenwashing”, destaca Kasandra O’Malia, gerente do Global Solar Power Tracker do Global Energy Monitor.
No Brasil, empresas de combustíveis fósseis detêm atualmente 2,82 GW de capacidade renovável, o que representa apenas 1,3% da capacidade total de energia renovável do país. Esses ativos em operação são majoritariamente controlados pela Equinor (32%), Mitsui (27%) e TotalEnergies (24%).
“A Petrobras afirma que está investindo em energia renovável, mas ainda não construiu nenhuma usina renovável. Mesmo que construa todas as usinas que anunciou, apenas uma fração minúscula (0,7%) de sua energia viria de fontes renováveis”, segundo Marcel Llavero‑Pasquina, pesquisador do ICTA‑UAB e autor principal do estudo. “Na prática, a Petrobras está investindo bilhões de dólares no desenvolvimento de novas reservas de combustíveis fósseis”.
As usinas anunciadas fariam parte da parceria com a Equinor para desenvolver três unidades offshore (Aracatu, Atobá e Mangará) com capacidade combinada de 8,34 GW, nos estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Maranhão. Essas usinas ainda estão em fase de licenciamento e não há garantia de que serão construídas. Mesmo que saiam do papel, sua contribuição para a geração de energia da Petrobras seria em torno de 0,7%.
Empresas como Shell, TotalEnergies, Equinor e Petrobras planejam 48 GW de usinas eólicas offshore no Brasil, entre anunciadas e em licenciamento — para efeito de comparação, há cerca de 83 GW de energia eólica offshore operando no mundo atualmente.
“A atuação das empresas de petróleo e gás nas energias renováveis é meramente anedótica. Sua contribuição para o enfrentamento da crise climática deve ser avaliada exclusivamente pela quantidade de combustíveis fósseis que deixam de extrair do solo”, pontuou Llavero‑Pasquina.
Essa falha de investimento em fontes limpas contrasta fortemente com as repetidas declarações da indústria sobre seu papel central na redução das emissões. Entre as 100 maiores empresas, quase um quarto estabeleceu metas de redução de emissões até 2030, com um compromisso médio de redução de 43% nas suas próprias operações, segundo a Zero Carbon Analytics.
“Este estudo mostra que as empresas de combustíveis fósseis praticamente não fizeram nada para construir um futuro baseado em energia renovável. Seu histórico de atrasos e décadas de enganação deixam claro: as empresas fósseis são a maior causa da crise climática, e seu poder político é o maior obstáculo para resolvê-la”, afirma Kelly Trout, diretora de pesquisa da Oil Change International.
Os resultados levantam sérias dúvidas sobre instituições que continuam a envolver essas empresas no debate climático sob a premissa de que são atores centrais da transição energética. “Depois de décadas de promessas vazias, chegou a hora de governos, universidades e instituições públicas reconhecerem que a indústria fóssil sempre fará parte do problema, e não da solução da crise climática. Empresas de petróleo e gás não deveriam ter assento nas mesas onde se decide o futuro das políticas climáticas e energéticas”, alerta Llavero‑Pasquina
Dave Jones, analista-chefe do think tank de energia Ember, lembra que o investimento em energia limpa no ano passado já chegou a US$ 2 trilhões, o dobro do montante aplicado em combustíveis fósseis, e, como resultado, mais de 40% da eletricidade global hoje vem de fontes limpas. “As grandes empresas de petróleo e gás têm potencial para agregar valor às tecnologias limpas, mas poucas elevaram o nível de ambição e escala que se esperaria de uma grande companhia internacional de energia”.
Estudos recentes propõem rota para descarbonizar a Petrobras
Dois estudos divulgados em 16 de setembro mapeiam caminhos para que a Petrobras possa deixar de depender exclusivamente do petróleo e se reposicionar como uma gigante da transição energética.
O primeiro documento, “Questões-Chave e Alternativas para a Descarbonização do Portfólio de Investimentos da Petrobras”, foi produzido pelos economistas Carlos Eduardo Young e Helder Queiroz, da UFRJ. Ele dá subsídios ao segundo, “A Petrobras de que Precisamos”, produzido pelas 30 organizações do Grupo de Trabalho em Energia do Observatório do Clima. Ambos buscam iniciar um debate sobre transição energética justa que o governo brasileiro tenta postergar.
“A surpresa seria se os investimentos numa verdadeira transição fossem significativos. Isso mostra que não se pode dizer que elas estão se adequando às políticas fósseis do governo americano”, disse Shigueo Watanabe Jr., pesquisador do Instituto ClimaInfo e um dos autores do segundo estudo. “Longe disso, declarações cheias de sustentabilidade servem apenas para escamotear a intenção de perpetuar a extração e comércio de combustíveis fósseis”.
Entre as propostas dos pesquisadores estão: ampliação de investimentos em biocombustíveis e hidrogênio de baixo carbono; retomada da atuação em distribuição e terminação de recarga elétrica; priorização de energias limpas (SAF, hidrogênio verde); realocação de recursos de novas refinarias e congelamento da expansão em fronteiras como a Foz do Amazonas.


