Nove pessoas foram presas em uma operação que resultou na apreensão de papelotes.
O caso provocou comoção no país. A emissora de televisão América, de Buenos Aires, passou a estampar na sua tela o telefone de urgência da Secretaria de Prevenção às Drogas (Sedronar).
A ex-ministra de Segurança, Patricia Bullrich, opositora do governo atual, disse que “é um dia triste na história argentina”. Especialistas em toxicologia disseram que a situação representava um “alerta epidemiológico”, já que não se sabia quantas pessoas podem ter consumido a cocaína adulterada.
“O sistema de saúde deveria estar atento e preparado para receber estas pessoas de forma urgente, não se sabe quantos podem estar nesta situação crítica. Esta situação deve ser enfrentada como uma crise sanitária de surto epidemiológico, como recomenda o CDC [Centro de Controle e Prevenção de Doenças]”, disse o presidente da Sociedade Latino-Americana de Infectologia Pediátrica, Roberto Debbag.
Pacote rosa
Os envelopes com o conteúdo rosado eram vendidos a 200 pesos (R$ 10) na localidade de casas simples e inacabadas de Puerto 8, segundo a polícia local. A polícia e os investigadores não descartam que a venda da droga possa ser parte da briga entre quadrilhas de traficantes.
“Na pandemia, aumentou muito o consumo de bebidas alcoólicas e também de drogas”, disse a toxicóloga Mónica Nápoli. O debate público, entre autoridades dos governos e toxicólogos, era sobre que tipo de “veneno” poderia ter sido inserido na cocaína e se a ação teria sido acidental ou proposital.
O toxicólogo Carlos Damín disse à emissora de televisão TN, de Buenos Aires, que a cocaína costuma ser “adulterada” na Argentina com “talcos e medicamentos anti-inflamatórios”.
Em um primeiro momento, chegou-se a especular que o produto teria sido misturado com veneno de rato, o que não foi confirmado pelas autoridades locais.
A partir dos sintomas das vítimas da “cocaína envenenada”, Damín deu seu prognóstico: “A cocaína é um estimulante. E tudo indica que, neste caso, foi adulterada com opioides, que têm efeito contrário. Por isso, as vítimas apresentam quadro respiratório severo, as pessoas acabam ficando asfixiadas. Pela minha experiência, isto não foi acidental, mas proposital”.
O opioide em questão seria o fentanil, de acordo com a imprensa local e fontes do governo provincial. “Ele é mais barato e também mais destrutivo que a cocaína”, disse o Alberto Fohrig, especialista no combate ao narcotráfico.
Em comunicado na noite de quarta, a Secretaria de Saúde da província de Buenos Aires informou que havia sido declarado “alerta epidemiológico” e que informações preliminares indicavam que as vítimas sofriam “quadros de intoxicação por opiáceos e se desconhece a existência de outro produto vinculado”.
As vítimas que chegaram a ser socorridas eram principalmente de bairros e comunidades pobres da província de Buenos Aires. As dificuldades econômicas e sociais que enfrentam também foram evidenciadas nesta história apontada como “inédita” não apenas pelo secretário de Segurança Berni e por toxicólogos, mas por investigadores da Justiça.
“O que precisamos são mais centros de reabilitação e não de mais cadeias. Meu filho busca emprego e não encontra — e, quando encontra, usa o dinheiro na droga”, disse Beatriz, a mãe que encontrou o filho de 41 anos caído na cozinha na madrugada.
Segundo dados oficiais, a pobreza na Argentina, que disparou na pandemia, supera 40% da população de cerca de 45 milhões de pessoas.
Nas ruelas sem asfalto, entre casas inacabadas nas áreas pobres, onde moram ou moravam as vítimas da “cocaína envenenada”, muitos moradores pareciam temer falar sobre o tráfico no lugar, evitando os microfones de televisão. Mas os que falaram mostravam sua angústia.
“Somos pessoas pobres, simples e que vimos estes meninos pequenos e eles agora podem morrer. Nós somos religiosos, frequentamos o culto, não queremos confusão. Mas hoje, vendo esta situação, estamos muito tristes”, disse uma mulher à TV.
A cunhada de uma das vítimas que tinha sido internada às pressas contou que o consumo da droga tinha sido entre pessoas de grupos diferentes e de lugares diferentes. A mesma informação foi confirmada pelas autoridades da província de Buenos Aires.
“Meu cunhado saiu com um amigo depois de assistir ao jogo da seleção argentina e consumiu [a droga]. Ele está lutando pela vida, com um respirador artificial, e o amigo dele morreu”, disse ela, que se identificou como Maria Morales.
Fonte: G1.