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    ‘Racionamento em Brasília poupa os mais ricos’, diz especialista em gestão de águas

    Morador do DF corre para comprar caixa d’água e reduzir impacto do racionamento (Foto: TV Globo/Reprodução)

    Professor ajudou mais de 40 países a superarem a crise hídrica. Para ele, corte no abastecimento é medida extrema mas, se usada, deveria afetar a cidade inteira; governo aponta ‘critério técnico’.

    Com a experiência de quem ajudou a resolver a crise hídrica em mais de 40 países, o especialista em gestão de água José Galizia Tundisi afirma que o governo do Distrito Federal erra ao submeter apenas parte da população ao racionamento. Segundo ele, o modelo adotado acaba poupando os mais ricos e não divide os impactos da crise por igual. O governo aponta “critérios técnicos”, e diz que levou em conta o estado de cada reservatório de água.

    “O plano do racionamento em Brasília acaba poupando os mais ricos. O recomendado seria fazer o racionamento para toda a cidade.”

    Em vigor desde segunda-feira (16), o racionamento do DF atinge apenas as regiões abastecidas pela bacia do Descoberto. A estimativa é de que o corte afete 1,7 milhão de pessoas – 57% da população total medida pela Codeplan, de 2,9 milhões. Dos moradores afetados, a maior parte mora em regiões carentes da capital.

    Já as regiões abastecidas pelo reservatório de Santa Maria não foram incluídas. Entre elas, as áreas com baixo índice de desenvolvimento são minoria. Além da região central do DF, que inclui o Plano Piloto, a Esplanada dos Ministérios, o Congresso e o Palácio do Planalto, foram poupados o Lago Sul e o Lago Norte.

    O governo do Distrito Federal afirmou que o critério adotado para o racionamento é “puramente técnico” e que “a questão econômica das regiões não foi considerada”. Em nota, disse que as regiões abastecidas pelo reservatório de Santa Maria terão redução da pressão da água a partir de 30 de janeiro.
    ‘Política perversa’

    Tundisi é professor aposentado das universidades de São Carlos (UFSCar) e São Paulo (USP), e pesquisador do Instituto Internacional de Ecologia. O especialista acompanhou de perto a crise hídrica de São Paulo entre 2014 e 2015. Antes, em 2007, ajudou a Espanha a enfrentar a maior seca dos últimos cem anos.

    Na Europa, o professor conseguiu emplacar uma política de restrição de litros de água por família a todos os moradores, com multa para os que extrapolavam. A limitação garantiu à Espanha atravessar a estiagem sem grandes traumas. Já na capital do Brasil, de acordo com o especialista, a história é outra.

    “O mais grave é que o corte vale mais para a periferia, o que pode ter uma conotação política perversa.”

    “Eu, particularmente, acho que toda a população deveria participar. Para equilibrar, [o governo] deveria pressionar toda a cidade para todo mundo compreender a dimensão de uma crise”, afirmou o professor.

    Fora do racionamento, Lago Sul e Lago Norte reúnem índices econômicos e de desenvolvimento humano comparáveis aos da Noruega, os mais altos do mundo. Pesquisa feita cruzando dados da Codeplan e do IBGE apontou que as duas regiões são vice-colocadas nacionais na proporção de piscinas por habitante – uma para cada 2.790 moradores. Nesse quesito, as região do Lago só perdem para São José do Rio Preto (SP).

    “Quando se sobrevoa a região, você observa [a quantidade de piscinas]. Uma pessoa nestas condições gasta 400 litros de água por dia. Enquanto alguém na periferia vai gastar entre 10 e 12 litros, o índice mínimo recomendado pelas Nações Unidas. Esse desequilíbrio precisa ser considerado”, ponderou.

    Transposição
    A cada dez moradores do DF, seis são atendidos pelo Descoberto, três pelo Santa Maria e um por pequenos rios locais. Segundo o governo, a baixa recorde na primeira bacia, de 18,9% da capacidade, justifica os cortes. Já o reservatório de Santa Maria está com mais de 40% da capacidade.

    “Quando há um desequilíbrio entre a capacidade dos reservatórios, o esperado é fazer a transposição de bacias. É preciso retirar água da bacia mais cheia e levar para a mais vazia e manter a segurança hídrica da população”, explicou o professor Tundisi.

    Barragem do Descoberto reduz o volume para menos de 20% pela primeira vez, em imagem de novembro (Foto: Alexandre Bastos/G1)

    Uma obra de transposição custa caro e demora para ficar pronta. Em São Paulo, o reforço ao sistema Cantareira foi anunciado meses antes do agravamento da crise hídrica. Orçada em R$ 555 milhões, a empreitada é tida como essencial para recuperar o principal manancial do estado, mas a primeira parte só deve ficar pronta neste ano.

    De acordo com a Caesb, companhia responsável pelos recursos hídricos do DF, “essa não é a solução mais viável, pois exige um volume de obra muito grande e de alto custo”. Em nota, o órgão disse estar construindo novas captações nos sistemas Corumbá e Bananal, mas não informa quando estas obras, classificadas como “solução melhor”, ficarão prontas.

    Gestão em alerta
    Para Tundisi, os gestores públicos precisam prestar atenção nos cientistas e se planejar melhor. “Eles não estão ouvindo os climatologistas. Relatórios de 2001 anunciavam uma crise séria a partir de 2011. É preciso integrar os padrões climatológicos no processo de gestão”, afirmou.

    Na avaliação do especialista, se medidas tivessem sido adotadas na época dos primeiros relatórios sobre o tema, políticas consideradas extremas, como o racionamento, poderiam ter sido evitadas tanto em São Paulo quanto em Brasília. “O problema é que falta transparência na gestão de crises”, declarou.

    O professor observa uma tendência no Brasil de não informar à população a situação real das crises, e demorar para adotar as medidas necessárias. “Isso é feito para evitar alarde à população. Dizem que isso pode trazer trauma. A meu ver, não contar pode causar um trauma ainda pior”, defendeu.

    Este é o primeiro racionamento da história do DF. A capital federal é a terceira maior do país, atrás de São Paulo e do Rio de Janeiro. Segundo o governo do Rio, a cidade nunca enfrentou política de corte no fornecimento de água. Embora admita o desabastecimento sistemático de moradores no auge da crise de 2014 e 2015, o governo paulista afirma que nunca implementou política de racionamento na capital do estado.

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    Por Gustavo Aguiar, G1 DF

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